Acéfalos: dezembro 2006

quinta-feira, dezembro 21

Agenor vs Mirosmar

O cinema muitas vezes consegue sincretizar em apenas duas horas toda uma vida. Os cineastas brasileiros conseguiram com maestria mostrar a vida de Cazuza (Agenor) e Zezé di Camargo (Mirosmar).

Esses dois artistas foram opostos em tudo em suas trajetórias. A única coisa que os unia era o fato de não serem conhecidos por seus nomes de batismo. São dois exemplos de como construir um ídolo pelo próprio esforço. E os dois juntos são o que toda pessoa que busca o sucesso na vida deveria fazer: Unir sua vitalidade e criatividade com a perseverança e o esforço.






Analisando o filme, vi Cazuza com um início de vida exuberante, brilhante e intenso e terminando sua vida privado de liberdade, da saúde e de esperança. Cazuza nasceu e cresceu nas mordomias da burguesia a qual depois atacou cuspindo no prato que
comeu. Viveu intensamento o estilo de vida: sexo, drogas e rock and roll. O filme também mostrou que Cazuza sem Barão Vermelho era mais criativo e desabrochou para além do cenário do rock para o cenário da música Pop, sua arte sincretizou todo o momento histórico cultural do final da década de 80. E mostrou também a insconsequência da depravação sexual e solidão de uma doença conhecida de forma preconceituosa.






E vi Zezé di Camargo com início de vida sem liberdade, sem entender o tamanho do mundo, sem expectativas e culminando no momento presente com sucesso, saúde e família. Dois filhos de Francisco não faz julgamento moral, apenas mostra os fatos. Uma família na penúria, vivendo da agricultura de subsistência, um pai meio bronco, meio sonhador. Zezé di Camargo não é e nunca foi músico, é sim um cantor esforçado e venceu suas deficiências pelo esforço. Destaque para a cena em que durante dias fica
tentando tocar uma gaita. E sua vida foi assim, venceu pela eterna perseverança e continua vencendo.

Zezé di Camargo até nisso é o contrário de Cazuza. Zezé di Camargo amargou anos esperando vender seus discos e o Barão Vermelho nasceu vencedor. Cazuza tinha talento nato para compôr letras e melodias e Zezé di Camargo amargou anos até conseguir emplacar um sucesso.

terça-feira, dezembro 19

O drible contra a Morte (Parte X)

Um relato pessoal

O medo é um sentimento que todo animal possui, e é claro que faz parte da natureza humana. Da existência do medo provém a coragem e o planejamento da ação. Não há quem nunca sentiu medo. Há aqueles que o reprimem e num momento de perigo intenso acabam por mijar em suas calças. Há aqueles que vivem com medo e preferem se privar da vida.

Acredito que nunca cheguei a nenhum dos dois extremos.
Me lembro que tinha muito medo quando criança. O principal deles era de que ninguém gostasse de mim. Outros medos também existiam, como de apanhar, apesar disso nunca ter acontecido.

Com o passar dos anos, todo esse medo desapareceu, ficou apenas latente o medo de insetos e de quedas bruscas (como em parques de diversão), apesar de sempre enfrentá-los. Passei toda adolescencia com a sensação de invencibilidade e achava que poderia suportar qualquer tipo de sofrimento. Isso durou até pouco tempo.

Engraçado como a percepção da vida e do mundo pode mudar tão rápido. Após um desmaio, fiquei pensando na fragilidade de meu corpo, na possibilidade de desmaiar e nunca mais voltar. Morrer.

Pensei em tudo que construí durante os anos, as músicas que compus, os amigos que fiz, a família que formei. Pensei como seria perder tudo isso. E como seria envelhecer e morrer. Tudo isso causou um grande frio na barriga e senti medo novamente.

Por uma certa ótica, pode parecer meio pedante tudo isso. Mas eu nunca liguei muito para essa coisa de longevidade. Sempre fui o tipo "cavaleiro solitário". Sempre negando ajuda dos outros, mostrando independência e até uma certa insensibilidade. Após minha última experiência de desmaio não estou mais certo de nada disso.

Fiquei mais sensível à imagens fortes como as de acidentes de carro. Quando as vejo, passa um filme em minha mente, como se eu estivesse no veículo, e imagino como seria a dor do impacto, como seria agonizar sem ajuda de ninguém até morrer e ver o sangue jorrando, sofrer ao ver as pessoas que estariam no carro também agonizando e sangrando. Algumas vezes informam que a morte foi na hora, mas quem garante. E o pensamento que vem em mente é que não quero morrer de morte violenta.

Porém quando penso na morte lenta da velhice e da doença nada melhora. Imagino a dor crônica do cancer, a falta de energia e cansaço da insuficiência cardíaca, a paralisia de um derrame, etc...

Me sinto humano demais, falho demais, desejando que o tempo não passe, tendo apenas como porto seguro aqueles que chamo de minha família, e novos medos vão aparecendo: medo da doença, do holocauto, da perda dos meus entes...

Mas a vida é assim: para continuarmos em frente devemos driblar a morte uma vez atrás da outra.
E sei também que a vida não pode ser feita apenas de felicidade. A vida é desafio e sofrimento também. Sofremos para vir ao mundo, sofremos para crescer, para amadurecer e também para findarmos nossa biografia nessa existência.

Será que existe outra vida? Está aí uma coisa que eu não perco tempo para refletir. Como todos leram acima, já tenho me preocupado muito com um futuro que nem sei se vai acontecer, que dirá o além vida...

quinta-feira, dezembro 14

Corisco Selvagem!

eu sou cavalo selvagem

não sei o peso da sela
não tenho freio nos beiços
nem cabresto
nem marca de ferro quente
não tenho crina cortada
não sou bicho de curral
eu sou cavalo selvagem
meu pasto é o campo sem fim
para mim não existe cerca
sigo somente o capim
eu sou cavalo selvagem
selvagem é minha alegria
de ser livre noite e dia
selvagem é só apelido
meu nome é mesmo cavalo
cavalo solto no pasto
veloz carreira que faço
lavrado todo atravesso
caminhos no campo eu traço
eu corro livre galope
transformo galope em verso
eu sou cavalo selvagem
sou garanhão neste campo
eu sou rebelde alazão
sou personagem de lendas
sou conversa nas fazendas
sou filho livre do chão
eu sou cavalo selvagem
meu mundo é a imensidão (*)



Há um tempo atrás se falava de bandidos
Há um tempo atrás se falava em solução
Há um tempo atrás se falava e prograsso
Há um tempo atrás que eu via televisão


Sobe morro, ladeira córrego, beco, favela
A polícia atrás deles e eles no rabo dela
Acontece hoje e acontecia no sertão
quando um bando de macaco perseguia Lampião
E o que ele falava outros ainda falam
"Eu carrego comigo: coragem, dinheiro e bala"
Em cada morro uma história diferente
Que a polícia mata gente inocente
E quem era inocente hoje já virou bandido
Pra poder comer um pedaço de pão todo fudido
Banditismo por pura maldade
Banditismo por necessidade
Banditismo por uma questão de classe (**)

* Eliakin Rufino
** Chico Science